Numa manhã turva da história, Protágoras se levantou, cruzou os braços e proclamou:
“O homem é a medida de todas as coisas.”
Com isso, lançou o primeiro golpe contra a verdade absoluta. Para ele, se cada homem mede o mundo à sua maneira, então o que é verdade para um pode não ser para outro. E assim, a verdade tornou-se volátil como fumaça — muda com o vento, com a cultura, com o humor.
Mas bastou um Platão entrar em cena para reacender a tocha da razão.
Para ele, a verdade morava num lugar intocável: o mundo das ideias. Pura, perfeita, eterna. O que víamos aqui, neste mundo de sombras, eram apenas reflexos pálidos do que realmente é. A verdade não se curva à percepção — é a percepção que se perde em ilusões.
Aristóteles, seu discípulo mais pragmático, preferiu pôr os pés no chão.
Se há verdade, ela está nas coisas em si. Podemos conhecê-la através da razão e da observação. Nem tanto ao céu das ideias, nem ao caos do relativismo.
A verdade, dizia ele, é afirmar do que é, que é; e do que não é, que não é.
Durante séculos, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino vestiram essa verdade com a roupagem de Deus.
A verdade era divina, revelada, inquestionável. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, dizia o Cristo dos Evangelhos. E assim, por um tempo, não se discutia o que era verdade. Discutia-se apenas quem ousaria desobedecê-la.
Mas então, a modernidade explodiu como pólvora seca.
Descartes duvidou de tudo, até de si mesmo — e ali, em meio ao ceticismo, encontrou sua pedra fundamental: “Penso, logo existo.”
Kant complicou: não conhecemos a “coisa em si”, apenas o fenômeno, aquilo que aparece a nós, filtrado por nossas categorias mentais.
A verdade, então, não é tanto o que o mundo é, mas como nossa mente o organiza.
E aí veio Nietzsche — com martelo nas mãos e raiva nos olhos.
Chamou a verdade de “um exército móvel de metáforas”. Para ele, a verdade não é descoberta, mas construída — muitas vezes por vontade de poder, por conveniência.
Nietzsche não matou Deus apenas — matou a verdade absoluta com ele.
O século XX bebeu dessa fonte. Foucault, Derrida, e tantos outros nos ensinaram a desconfiar.
A verdade? Sempre atravessada por discursos, por jogos de poder, por contextos.
Não existe “a verdade”, mas “verdades”. A do oprimido, a do opressor. A do colonizador, a do colonizado. Cada uma com sua lente, sua moldura, sua versão.
E aqui estamos nós —
Na era dos algoritmos e das bolhas digitais, onde cada um tem o próprio “fato”, cada grupo seu “dado alternativo”, cada influencer sua “realidade paralela”.
Dizer que “a Terra é redonda” ou que “vacinas salvam vidas” pode soar político.
Mostrar dados virou “militância”.
E a verdade, essa senhora elegante e sóbria, parece ter sido substituída por versões com filtro.
Mas então, voltamos à pergunta que ecoa desde os gregos:
A verdade é absoluta? Ou é relativa à lente de quem vê?
Talvez ambas — ou talvez nenhuma.
Talvez a verdade seja como uma estrela no céu: ali, imóvel, absoluta…
Mas vista de diferentes ângulos, em noites mais ou menos nubladas, por olhos mais ou menos míopes.
O que muda, no fim das contas, é o telescópio. Não a estrela.
Carlito de Souza
Corretor de imóveis e seguros, fotógrafo por hobby, motociclista por essência, e alguém que escolhe a luz dos fatos em vez da sombra das narrativas.
Referências conceituais:
– Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas (relativismo sofista)
– Platão: Teoria das Ideias (verdade absoluta e transcendente)
– Aristóteles: Metafísica (verdade como adequação ao ser)
– Agostinho e Tomás de Aquino: verdade como reflexo divino
– Descartes: Cogito, ergo sum
– Kant: Fenômeno vs. númeno
– Nietzsche: A genealogia da moral
– Foucault e Derrida: pós-estruturalismo e desconstrução da verdade
– Cultura contemporânea: era da pós-verdade e fake news

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