Verdades editadas, mentiras acomodadas: o sutil papel da mídia no pós-8/1

Por Carlito de Souza

Na edição da Veja publicada recentemente, assinada por Matheus Leitão sob o título “O duro recado de Fux a Mauro Cid e Alexandre de Moraes”, emerge mais do que uma simples reportagem judicial: está ali um exemplo emblemático do que se tornou a linha editorial de alguns dos grandes jornais e revistas brasileiros diante dos atos do 8 de janeiro. Trata-se de uma tentativa sutil, mas perigosamente eficaz, de reescrever os contornos do que, por todas as evidências jurídicas e institucionais, configurou uma tentativa organizada de abolição da ordem democrática.

Luiz Fux, é preciso dizer, não inocentou ninguém. Votou a favor do recebimento da denúncia contra Jair Bolsonaro e outros implicados por tentativa de golpe. Mas a reportagem não quis focar nisso. Preferiu dar holofote às ressalvas que o ministro fez sobre a consistência das delacões premiadas, principalmente a de Mauro Cid. A crítica não é ilegítima. O problema é a ausência de contexto, a falta de profundidade, o abandono completo da questão central: os autos, os documentos, as provas robustas que apontam para uma cadeia organizada de intenção golpista.

Queremos deixar claro: esta crítica não se opõe à imprensa livre, tampouco à crítica institucional construtiva. O que se questiona aqui é a escolha editorial de negligenciar os fatos comprovados para dar voz e relevância desproporcional a questionamentos periféricos, que não anulam, em nenhuma medida, o cerne da gravidade dos acontecimentos do 8 de janeiro.

O resultado é um efeito colateral (ou deliberado?): desloca-se o foco do ato criminoso e se volta a lúpas sobre o órgão que tem por missão julgá-lo. É um discurso que ecoa, com roupagem de jornalismo sério, as mesmas teses de uma militância digital que, desde janeiro de 2023, insiste em pintar o STF como usurpador e os acusados como patriotas injustiçados.

Não se trata de um caso isolado. Folha de S.Paulo, Estadão, e até mesmo comentaristas da Globo News, como Merval Pereira e Demétrio Magnoli, já ensaiaram discursos semelhantes. Recentemente, a Folha publicou um editorial questionando o “desequilíbrio” das penas impostas pelo STF aos vândalos do dia 8. Em outro artigo, sugeriu que os julgamentos poderiam abrir caminho para um “precedente perigoso” de restrição de liberdades. Tudo isso sem lembrar que os julgados não estavam apenas passeando na Praça dos Três Poderes, mas invadindo, depredando e ameaçando o coração da democracia brasileira.

Esses editoriais não são neutros. São construções retóricas que se valem da linguagem do bom senso para, na prática, deslegitimar o único pilar que não ruiu naquele domingo de barbárie: a Justiça. Alimentam, mesmo que sob a capa da civilidade, uma perigosa linha de continuidade com os discursos de anistia ampla, geral e irrestrita. Anistia de que, exatamente? De planejar a derrubada de um governo eleito? De insuflar uma tropa armada contra os Poderes da República?

Reiteramos: a crítica à imprensa ou ao STF, quando feita com base em fatos, é parte vital de qualquer democracia. Mas o que observamos é a formação de uma narrativa enviesada, em que se tenta normalizar o inaceitável ou relativizar a gravidade do que ocorreu naquele 8 de janeiro. Isso não é jornalismo investigativo, é revisionismo.

O Brasil não está diante de um impasse ideológico. Está diante de um desafio civilizatório. E os jornais, se querem continuar sendo chamados de imprensa livre, precisam urgentemente escolher de que lado da história desejam estar: o lado dos fatos, ou o lado das narrativas que os distorcem.


Informações sobre o Autor: Carlito de Souza – Corretor de imóveis e seguros, fotógrafo por hobby, motociclista por essência, e alguém que escolhe a luz dos fatos em vez da sombra das narrativas. @carlitocscorretor @clubeinvestvida @csartfotos

Referências:

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Verdade Editada, Mentiras Acomodadas

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