Por Carlito de Souza
Durante décadas, os Estados Unidos ostentaram com orgulho o título de “patrocinadores da democracia”. Mais do que isso: desde o fim da Segunda Guerra Mundial, construíram e financiaram as bases de uma ordem internacional pautada pelo comércio livre, tratados multilaterais e uma arquitetura geopolítica que, a despeito de suas imperfeições, garantiu relativa estabilidade.
Mas bastaram alguns anos da era Trump para que esse edifício começasse a ruir pelas próprias mãos de quem o ergueu.
A mais recente peça do dominó a cair atende pelo nome de tarifas bilionárias sobre navios chineses — uma decisão que parece técnica, mas cujo impacto é global. Sob o pretexto de proteger a indústria e a segurança nacional dos EUA, Washington ameaça impor custos altíssimos para qualquer embarcação com bandeira chinesa que ouse atracar em seus portos. E a consequência não é apenas um ataque à China, mas ao próprio fluxo que sustenta o sistema nervoso do planeta: o comércio internacional.
O caso emblemático de 16 mil toneladas métricas de tubos de aço paradas em um armazém na Alemanha — destinadas a um projeto de energia na Louisiana — diz tudo. A carga não embarca porque o armador que a levaria agora enfrenta a possibilidade de ser atingido por milhões de dólares em tarifas. E assim, uma simples operação logística transforma-se em símbolo de um mundo preso entre o protecionismo e a paranoia.
Não é só aço que está travado. Está travada também a credibilidade de um país que, outrora, vendia estabilidade, mas agora flerta com o nacionalismo beligerante. A mensagem que os Estados Unidos parecem enviar ao mundo é inequívoca: “Ou aceitam as nossas regras — mesmo que mude a cada governo — ou paguem o preço”.
Essa lógica, além de perversa, é perigosa. Afinal, as engrenagens da globalização não funcionam com base na intimidação, mas na previsibilidade. Um presidente que decide, de forma unilateral, manipular as regras do jogo — ora por impulsos eleitorais, ora por interesses internos — coloca em risco não apenas o seu país, mas todo o tabuleiro internacional.
Ao impor obstáculos comerciais por razões pouco transparentes, Trump não apenas desafia a China: desafia também os aliados tradicionais dos EUA na Europa, que veem seus negócios travados e suas indústrias desestabilizadas. E pior: encoraja outras potências a abandonarem os tratados, fecharem seus mercados, e usarem o protecionismo como arma diplomática.
É aqui que a situação deixa de ser uma disputa comercial e se transforma em um jogo geopolítico arriscado.
Não é exagero dizer que o planeta caminha sobre um fio esticado entre o comércio e o conflito. Tarifas hoje, sanções amanhã, embargos depois… e quando as rotas de suprimento são bloqueadas, a escassez vira regra, os preços sobem, as tensões se agravam. Foi assim nas décadas que antecederam as grandes guerras do século XX.
Resta ao mundo observar se os Estados Unidos desejam, de fato, manter o papel de liderar com responsabilidade — ou se irão aprofundar a virada de eixo iniciada com Trump, tornando-se agentes da instabilidade que antes combatiam.
O mundo globalizado não pede heróis, mas exige bom senso. E isso, infelizmente, tem faltado.
Autor:
Carlito de Souza – Corretor de imóveis e seguros, fotógrafo por hobby, motociclista por essência, e alguém que escolhe a luz dos fatos em vez da sombra das narrativas.
Referências bibliográficas e fontes:
Bloomberg: Tarifas dos EUA a navios chineses ameaçam o comércio global (Curtis, Laura; Soon, Weilun; Attwood, James – 2025)
World Trade Organization (WTO) – Relatórios sobre o impacto do protecionismo no comércio internacional
Peterson Institute for International Economics – Estudos sobre a guerra comercial EUA-China
Council on Foreign Relations – Artigos sobre a política externa americana na era Trump
Brookings Institution – “Trump’s trade wars and the global economy”

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