Poucos temas provocam tanta controvérsia e despertam opiniões tão polarizadas quanto a possibilidade de privatizar os serviços de água e saneamento básico. Em Santa Catarina, a intenção do governador Jorginho Mello de privatizar a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN) trouxe o tema para o centro do debate público. Para além de slogans e paixões ideológicas, o que dizem os fatos verificáveis sobre essa questão?
A Situação da CASAN Hoje
A CASAN atende 194 municípios e, ao contrário do que poderia sugerir uma tentativa de privatização por “ineficiência”, vem apresentando resultados financeiros positivos. Em 2024, a empresa registrou um lucro de R$ 101,1 milhões no primeiro semestre, um aumento de 186% em relação ao mesmo período de 2023. Investimentos robustos estão em curso: R$ 2 bilhões estão planejados até 2026 para dobrar a cobertura de esgoto de 25% para 50%.
Ainda assim, o governo estadual alega que a empresa não consegue atender às metas de universalização do saneamento estabelecidas pelo novo marco regulatório do setor, o que justificaria sua venda para o setor privado.
A Experiência Brasileira com Privatizações
Diversas cidades brasileiras já experimentaram modelos de concessão ou privatização plena dos serviços de água e esgoto. Em alguns casos, como Niterói (RJ), há indicadores positivos de expansão da rede. Mas em outros, como Manaus (AM), Paraná de Minas (MG) e Ouro Preto (MG), houve forte aumento nas tarifas e pouca ou nenhuma melhoria significativa para a população.
Estudos do IPEA mostram que a privatização pode aumentar a cobertura de esgoto em cerca de 6,1 pontos percentuais, mas isso costuma vir acompanhado de reajustes tarifários consideráveis.
O Olhar Internacional: O Mundo Está Remunicipalizando
Dados globais são ainda mais reveladores. Desde 2000, mais de 235 cidades em 37 países reverteram processos de privatização (fenômeno conhecido como “remunicipalização”). Paris é um dos casos mais emblemáticos: em 2010, a capital francesa retomou a gestão pública da água após anos de insatisfação com a gestão privada.
Na França, foram 94 remunicipalizações; nos EUA, 58. As principais razões para a reversão foram tarifas elevadas, falhas operacionais, opacidade na gestão e a compreensão crescente de que a água é um bem público essencial.
Aspectos Políticos Envolvidos
A proposta de privatização da CASAN também levanta questionamentos sobre o uso político de uma decisão que deveria ser técnica. Em sua campanha eleitoral de 2022, Jorginho Mello declarou que não privatizaria a CASAN nem a CELESC, desde que apresentassem resultados positivos — o que de fato está ocorrendo. A mudança de posição pode refletir pressões de grupos empresariais interessados na concessão e reforça a necessidade de um debate público transparente e livre de interesses paralelos.
Conclusão: Privatizar ou Não Privatizar?
A análise técnica, baseada em dados nacionais e internacionais, aponta que privatizar a água e o saneamento básico deve ser a exceção, não a regra. A tendência global atual é de fortalecer o controle público, com foco na eficiência, transparência e universalização dos serviços. Se Santa Catarina decidir privatizar, precisará estabelecer mecanismos robustos de regulação e controle, além de garantir que as tarifas permaneçam acessíveis e que os investimentos prometidos sejam efetivamente realizados.
Contudo, considerando o histórico positivo recente da CASAN, sua capacidade de investimento atual e a tendência internacional de remunicipalização, a conclusão mais racional e fundamentada é que não há justificativa técnica suficiente para a privatização neste momento.
Carlito de Souza – Corretor de imóveis e seguros, fotógrafo por hobby, motociclista por essência, e alguém que escolhe a luz dos fatos em vez da sombra das narrativas.
Fontes Consultadas:
IPEA
Ecologic Institute (Alemanha)
RapidTransition Alliance
NSC Total
SINTAEMA
Brasil de Fato
Sintaema SP
Wikipedia (Remunicipalization)
Academic.oup.com (Oxford University Press)
Relatórios financeiros da CASAN e CELESC
