Por Carlito de Souza
Há quem diga, com razoável fundamentação, que o ministro Alexandre de Moraes não deveria participar do julgamento dos réus dos atos de 8 de janeiro. O argumento é simples à primeira vista: seu gabinete foi vandalizado, seu nome rabiscado em cartazes, sua imagem queimou na praça pública das redes. Um juiz que foi atacado, dizem, não pode ser o mesmo a julgar os atacantes. Seria como se um árbitro agredido no vestiário voltasse ao campo para apitar o jogo contra os mesmos que o empurraram — a regra do fair play, dizem, não permitiria.
A tese se ancora no artigo 254 do Código de Processo Penal, que trata da suspeição do magistrado. O inciso IV afirma que o juiz será considerado suspeito quando for “interessado no julgamento da causa”. Um gabinete arrombado, móveis em destroços, a toga coberta de tinta: isso, para os defensores da tese, configura interesse emocional e simbólico, o suficiente para macular a imparcialidade.
A doutrina que sustenta essa visão evoca princípios constitucionais — o devido processo legal, a ampla defesa, a imparcialidade objetiva. E não se pode negar: uma justiça que não pareça justa, mesmo que o seja, compromete a confiança pública.
Mas há um detalhe. Um detalhe que separa a Justiça da farsa. Um detalhe que, em silêncio, guarda o que o Direito tem de mais sofisticado: o artigo 256 do mesmo Código de Processo Penal. Ele é claro como cristal lapidado:
“Não poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo que for provocado por quem alega a suspeição.”
Aqui reside a espinha dorsal do argumento que desmonta a tese anterior: se o réu ataca o juiz com o propósito — direto ou indireto — de afastá-lo do julgamento, não pode depois alegar que o juiz está comprometido. Seria premiar a provocação. Seria dizer que, ao jogar uma pedra, o réu conquistou o direito de escolher o julgador. A justiça, então, passaria a ser negociada à base de ameaças, e não de princípios.
Imagine se toda vez que um grupo criminoso resolvesse intimidar um magistrado isso fosse suficiente para tirá-lo do caso. Teríamos um sistema onde os réus fabricam a suspeição conforme a conveniência. A imparcialidade se tornaria uma peça de xadrez movida pelo medo — e não pela razão.
No caso de Alexandre de Moraes, não há dúvida de que ele se tornou símbolo do enfrentamento à tentativa de ruptura institucional. Mas símbolo não é parte. Seu gabinete foi atacado não como extensão de sua pessoa, mas como representação física de um Poder da República. E a Justiça não pode se dobrar diante da encenação dos réus, muito menos aceitar a armadilha da vitimização como estratégia processual.
O artigo 256 existe justamente para lembrar que a imparcialidade do juiz não pode ser contaminada por quem, deliberadamente, buscou torná-la inviável. A provocação dolosa da suspeição é uma distorção do sistema, um artifício para transformar o tribunal em palco — e o juiz em refém.
Se o juiz é vítima porque foi atacado em sua função, ele não é parte — ele é o próprio guardião da ordem constitucional. E se essa ordem é subvertida pela chantagem, resta apenas o vazio. A Justiça, nesse caso, deixa de ser cega para ser amedrontada. E isso, em qualquer Estado de Direito digno desse nome, é inaceitável.
Fontes:
– Constituição Federal do Brasil (1988)
– Código de Processo Penal, arts. 254 e 256
– Código de Processo Civil, arts. 144 e 145
– Doutrina de Guilherme de Souza Nucci, Fernando da Costa Tourinho Filho
– Jurisprudência do STF sobre imparcialidade, suspeição e abuso de direito de defesa
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