O Gambito de Netanyahu: Como a Sobrevivência de um Homem Incendiou o Oriente Médio e Redesenhou o Tabuleiro Nuclear

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Na madrugada poeirenta de 13 de junho de 2025, o céu sobre Teerã se rasgou. Não foi o som familiar do trovão, mas a sinfonia aterradora da guerra moderna. Explosões ecoaram pela capital iraniana, iluminando a noite com clarões sinistros que marcavam o fim de uma era. A longa e clandestina “guerra nas sombras” entre Israel e o Irã, um balé letal de espiões, sabotadores e ataques por procuração, havia finalmente transbordado. O tabu de um confronto direto e aberto entre as duas potências regionais fora quebrado. O Oriente Médio, um barril de pólvora perpétuo, acabara de ser empurrado para o abismo, tudo como parte de um plano audacioso: o gambito de Netanyahu.

O que se seguiu foi uma demonstração de força avassaladora. Caças israelenses, operando com uma liberdade aérea que chocou observadores, martelaram alvos estratégicos. Instalações nucleares, bases de mísseis e, crucialmente, os próprios líderes do regime iraniano. A imprensa estatal iraniana, em um tom que misturava fúria e choque, confirmou a morte do General Hossein Salami, o poderoso comandante-chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), junto com outros generais e cientistas nucleares proeminentes. Foi um golpe de decapitação, preciso e devastador, que deixou o regime iraniano cambaleando.

Mas para entender como se chegou a este ponto de inflexão, é preciso rebobinar a fita, não apenas dias ou meses, mas anos. É preciso decifrar o cálculo de um homem e a natureza de seu arriscado plano. É preciso entender o gambito de Netanyahu.

Infográfico: A Escalada para a Guerra Aberta – Anatomia do Gambito de Netanyahu

  • 1º de Abril, 2024: O estopim. Um ataque aéreo israelense destrói o anexo do consulado iraniano em Damasco, matando o General Mohammad Reza Zahedi e outros oficiais do IRGC. O ato viola a Convenção de Viena e é visto como uma provocação deliberada.
  • 14 de Abril, 2024: A resposta coreografada. O Irã lança a “Operação Promessa Verdadeira”, disparando mais de 300 drones e mísseis contra Israel. A maioria é interceptada com ajuda de uma coalizão liderada pelos EUA, incluindo a Jordânia.
  • Outubro de 2024: Israel ataca abertamente o Irã pela primeira vez, visando sistemas de defesa aérea e locais de mísseis, testando as águas para uma operação maior.
  • 13 de Junho, 2025: O clímax do gambito. Israel lança uma ofensiva aérea massiva contra Teerã e outras cidades, visando o programa nuclear e a liderança militar do Irã, matando dezenas, incluindo o chefe do IRGC.
  • 15 de Junho, 2025: A frente sul se agita. Os Houthis do Iêmen, o aliado mais resiliente do Irã, reivindicam ataques com mísseis hipersônicos contra Tel Aviv, em coordenação com Teerã.

Ato I: O Jogo do Primeiro-Ministro e o Gambito de Netanyahu

Para compreender a audácia da aposta de 13 de junho, é preciso olhar para o homem que a autorizou. Benjamin Netanyahu, o mais longevo primeiro-ministro de Israel, não era um líder no auge de seu poder. Pelo contrário, ele estava sitiado. Sua controversa reforma judicial havia fraturado a sociedade israelense, levando a meses de protestos massivos que expuseram as profundas fissuras do país. Conforme documentos da inteligência do Hamas posteriormente revelados, a organização percebeu essa divisão interna como um sinal de fraqueza em Israel, o que a encorajou a lançar o ataque de 7 de outubro de 2023.

Aquele dia não apenas quebrou a sensação de segurança de Israel; ele demoliu a principal credencial de Netanyahu: a de “Mr. Segurança”. A colossal falha de inteligência recaiu diretamente sobre seus ombros, e sua popularidade despencou. Pressionado por uma opinião pública furiosa, dependente de parceiros de coalizão de extrema-direita que exigiam uma linha cada vez mais dura, e assombrado por seu próprio julgamento por corrupção, Netanyahu precisava de uma nova narrativa. A guerra em Gaza, com seus objetivos elusivos e o drama contínuo dos reféns, não era suficiente. Ele precisava de um inimigo maior, um inimigo existencial que pudesse unir a nação e silenciar os críticos. Ele precisava do Irã. Este gambito era sua única saída.

A análise de Ori Goldberg para a Al Jazeera é contundente: o ataque foi realizado “principalmente para fins domésticos, para restaurar a fé em Netanyahu” e fazer a população “se unir em torno da bandeira”. A guerra contra o Irã, um inimigo consensual, ofereceu a Netanyahu uma “rampa de saída” de suas crises domésticas, uma forma de desviar a atenção de suas falhas e reforjar sua aliança com o establishment militar, que também buscava redenção após o 7 de outubro. O gambito de Netanyahu não era apenas sobre segurança nacional; era sobre sobrevivência política.

A obsessão de Netanyahu com o programa nuclear iraniano é genuína e remonta a décadas. Mas foi a sua precariedade política que, segundo analistas, rebaixou o limiar para a tomada de um risco estratégico monumental. A convicção estratégica forneceu a justificativa; a sobrevivência política forneceu o gatilho para seu arriscado gambito. A decisão de atacar o consulado em Damasco, conforme descrito pelo professor Reginaldo Nasser, foi uma “armadilha de Israel” para provocar uma resposta iraniana que, por sua vez, legitimaria uma escalada massiva. O gambito de Netanyahu estava em pleno andamento.

Ato II: Ecos da História e o Manual por Trás do Gambito de Netanyahu

A justificativa de Israel para a guerra não foi criada em um vácuo. Ela ecoa, de forma perturbadora, a retórica usada pela administração de George W. Bush para justificar a invasão do Iraque em 2003. Em ambos os casos, um manual semelhante foi seguido, um manual que parece ter inspirado o gambito de Netanyahu.

Infográfico: O Manual da Guerra Preventiva

Critério de AnáliseEUA vs. Iraque (2003)Israel vs. Irã (2024-2025)
Ameaça Primária DeclaradaPosse e desenvolvimento de Armas de Destruição em Massa (ADM).Ameaça existencial do programa nuclear iraniano.
Laços com o TerrorismoVínculos operacionais falsamente alegados com a Al-Qaeda.Patrocínio comprovado do “Eixo da Resistência” (Hezbollah, Hamas).
Uso da InteligênciaApresentada como certa e urgente; posteriormente desacreditada como falsa ou exagerada.Apresentada como certa e urgente para justificar a preempção, contornando debates sobre o cronograma exato.
Status do Mandato da ONUSem autorização explícita; considerado ilegal pelo Secretário-Geral da ONU.Sem autorização explícita; condenado por membros do CSNU (Rússia, China).
Objetivo ImplícitoDesarmamento com objetivo claro e declarado de “mudança de regime”.Degradação de capacidade com fortes elementos de “mudança de regime”.

O ataque ao consulado iraniano em Damasco, um ato que violou a Convenção de Viena, foi o primeiro passo para rasgar o livro de regras. A subsequente ofensiva em larga escala, condenada por Rússia e China, aprofundou essa ruptura. Como apontou o *think tank* Responsible Statecraft, a hipocrisia das capitais europeias – que condenaram a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas endossaram o “direito de defesa” de Israel em uma ação agressiva – expôs o “cadáver em decomposição da chamada ‘ordem baseada em regras'”, minando a credibilidade do Ocidente no Sul Global. Este cenário de legitimidade erodida foi o palco perfeito para o gambito.

Ato III: As Consequências do Gambito de Netanyahu

Taticamente, a operação israelense foi um sucesso impressionante. A fusão de anos de inteligência com capacidades de operações especiais permitiu que Israel alcançasse uma surpresa estratégica devastadora. Mas a vitória tática pode mascarar um erro estratégico catastrófico. O sucesso de curto prazo do gambito de Netanyahu pode ter semeado uma crise de longo prazo.

Ao demonstrar de forma conclusiva que as defesas convencionais do Irã eram insuficientes para proteger seu território e seu programa nuclear, Israel pode ter dado a Teerã o argumento final e irrefutável para buscar a arma atômica. Como alertou o Atlantic Council, o Irã agora está “supremamente motivado a correr para um ‘breakout’ nuclear”, vendo a bomba não como uma arma de agressão, mas como a única apólice de seguro crível para a sobrevivência do regime. O sucesso tático do gambito pode ter acelerado o pesadelo estratégico que ele pretendia evitar.

O Irã perdeu mais no curto prazo: liderança, infraestrutura, prestígio. Mas Israel, ao apostar tudo em um golpe decisivo, pode ter mais a perder no longo prazo. Criou um inimigo encurralado e desesperado, alienou partes da comunidade internacional e testou perigosamente a paciência de seu principal aliado, os Estados Unidos, que repetidamente pediram contenção. O gambito de Netanyahu foi jogado sem o apoio explícito de Washington para a ofensiva.

Enquanto isso, o “Eixo de Resistência” do Irã está em frangalhos. O Hezbollah foi severamente enfraquecido no Líbano, o Hamas foi devastado em Gaza, e a queda do regime de Assad na Síria cortou uma linha de abastecimento vital. Apenas os Houthis no Iêmen emergem como um ator resiliente e disposto a continuar a luta, reivindicando ataques com mísseis hipersônicos contra Tel Aviv em 15 de junho. Este enfraquecimento, paradoxalmente, reforça o cálculo nuclear de Teerã: sem seus representantes para lutar as guerras por procuração, a defesa do próprio regime se torna a prioridade absoluta. Este era um resultado previsível do gambito.

A probabilidade de uma potência externa como Rússia, China ou Coreia do Norte fornecer uma arma nuclear ao Irã permanece muito baixa. A China busca estabilidade para seus interesses econômicos; a Rússia mantém um delicado equilíbrio com Israel e se opõe à proliferação em sua fronteira sul; e a Coreia do Norte vê seu pequeno arsenal como sua garantia de sobrevivência, não um item para exportação. O caminho do Irã para a bomba, se for trilhado, será solitário, uma consequência direta do isolamento provocado pelo gambito de Netanyahu.

Conclusão: Um Novo e Perigoso Paradigma

As explosões sobre Teerã em junho de 2025 não foram apenas o som de uma batalha. Foram o som de um paradigma se quebrando. A guerra nas sombras acabou. O confronto direto agora é uma ferramenta aceitável no volátil léxico do Oriente Médio. O gambito de Netanyahu normalizou o impensável.

Este gambito pode ter garantido sua sobrevivência política por mais algum tempo, mas o preço foi empurrar a região para um futuro mais perigoso e imprevisível. As linhas vermelhas foram redesenhadas com fogo, e a distinção entre a segurança de um Estado e a carreira de um líder tornou-se perigosamente tênue. O mundo agora prende a respiração, observando o tabuleiro de xadrez reconfigurado, onde o próximo movimento pode não ser um xeque, mas um xeque-mate para a frágil paz global. O legado do gambito de Netanyahu será sentido por muitos anos.

Por Carlito de Souza

 

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