Em um ambiente público saturado por ruídos informacionais e batalhas de narrativas, aplicar um filtro da razão aos fenômenos políticos torna-se um exercício indispensável. É preciso separar o que é apenas discurso do que gera resultado efetivo. Nesse sentido, a gestão de João Campos no Recife oferece um laboratório valioso para analisar como uma gestão pragmática, quando orientada por dados e foco na entrega, pode não apenas ser eficiente, mas também superar as trincheiras ideológicas. Este artigo se propõe a filtrar essa experiência e extrair seus princípios fundamentais.

Índice
O Paradoxo Político e um Estudo de Caso Relevante
O cenário progressista brasileiro vive uma contradição evidente: de um lado, indicadores econômicos positivos; do outro, uma aprovação popular que não reflete esse avanço. A explicação frequente aponta para uma falha na “guerra de narrativas”. No entanto, o que emerge da experiência no Recife sugere que a resposta pode não estar em uma narrativa melhor, mas em uma realidade superior.
O caso da prefeitura de João Campos se tornou notório por um feito que desafia a lógica da polarização: sua administração alcançou a aprovação de 65% dos eleitores de Jair Bolsonaro e 94% dos de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo pesquisas internas. O que, de fato, explica esse fenômeno? A resposta parece residir em um modelo de gestão pragmática focado em três pilares.
Decodificando o Modelo: Os Três Princípios da Gestão Pragmática
Primeiro Princípio: A Centralidade dos Resultados Tangíveis
O cerne do modelo é a priorização do concreto sobre o abstrato. Enquanto o debate nacional se concentra em disputas simbólicas, a gestão investiu maciçamente em infraestrutura e serviços que alteram diretamente o cotidiano da população, especialmente nas áreas mais vulneráveis. As centenas de escadarias construídas em áreas de morro são o símbolo máximo disso: para o morador, cada degrau que substitui a lama é um argumento mais poderoso que qualquer discurso.
A premissa, como articulada pelo próprio prefeito, é que as necessidades universais precedem as identidades ideológicas. É a essência de uma gestão pragmática: focar na creche, no posto de saúde e na iluminação pública, pois são essas entregas que constroem a legitimidade do poder público junto a todos os cidadãos, independentemente de suas convicções políticas.
Segundo Princípio: A Tecnologia como Ferramenta de Eficiência
Numa manobra estratégica de notável perspicácia, a crise sanitária da COVID-19 foi utilizada para estruturar a mais completa plataforma de dados de uma capital brasileira. A necessidade de um cadastro para a vacinação permitiu a criação de um ecossistema digital que transformou a relação entre o cidadão e a prefeitura.
O resultado é um “governo de zero clique”, que se antecipa às necessidades. O Estado deixa de ser um balcão reativo para se tornar um serviço proativo, que informa sobre vacinas, notifica sobre créditos fiscais e simplifica processos. Essa eficiência, inspirada na experiência do usuário do setor privado, gera uma confiança baseada na utilidade e na competência, não na afiliação ideológica.
Terceiro Princípio: A Neutralização de Opositores pelo Diálogo
O tratamento dispensado a grupos historicamente antagônicos, como setores evangélicos, revela o terceiro pilar. A abordagem não buscou a conversão ideológica, mas a construção de pontes através da resolução de problemas práticos: entraves burocráticos, licenciamentos, questões administrativas.
Ao demonstrar ser um gestor sério e eficiente para todos, a administração consegue neutralizar a hostilidade, mesmo mantendo as divergências de fundo. O objetivo não é eliminar a oposição, mas reduzir a temperatura do conflito, provando que a boa governança pode ser um terreno comum e um pacificador social.
O Desafio da Escalabilidade: Limites e Potencialidades do Modelo
A questão inevitável é se este modelo de gestão pragmática pode ser replicado em escala nacional. Os desafios são evidentes: os problemas federais são mais complexos, o orçamento é objeto de disputas mais acirradas e a máquina de desinformação opera com uma força incomparavelmente maior.
Contudo, se as ações específicas não são diretamente transferíveis, os princípios são universais. A lição de Recife não é um manual de instruções, mas um novo paradigma: a obsessão pelo resultado verificável, a comunicação baseada na utilidade e a capacidade de construir alianças para além das bolhas ideológicas.
A experiência aponta para uma verdade fundamental: a sustentabilidade do progresso e a superação da polarização talvez residam menos na eloquência do discurso e mais na consistência da execução.