Por Carlito de Souza
“Você tem a energia de Itaipu dentro de si.”
Soa bonito, não é?
Científico, até. E ainda por cima épico.
Pois foi com essa frase — dita com voz suave e trilha grandiosa — que um vídeo viralizou nas redes sociais, conquistando milhões de visualizações.
E foi assim também que muita gente confundiu poesia com física, e encantamento com verdade.
O vídeo segue: explica que o corpo humano tem cerca de 7 octilhões de átomos e que, se pudéssemos converter toda essa massa em energia, ela equivaleria à produção da Usina de Itaipu operando por mais de 6 mil dias seguidos.
Tecnicamente… ele está certo.
Mas é justamente aí que mora o truque.
Os números são reais. A fórmula do Einstein também: E=mc2E = mc^2E=mc2
Ela de fato nos diz que massa é energia em potencial. Mas há um detalhe crucial que o vídeo esquece de mencionar:
pra liberar essa energia, você teria que sumir. Literalmente.
A aniquilação total da matéria — o único jeito de converter 100% de massa em energia — só ocorre em fenômenos como reações nucleares, buracos negros ou colisões de partículas subatômicas. Definitivamente, não em corpos humanos vivos.
Seu corpo, com seus 81 quilos, não vai gerar eletricidade nenhuma — muito menos abastecer o Paraná inteiro.
Mas o vídeo não explica isso.
Não diz que, pra liberar essa energia, você teria que desaparecer do plano físico.
Vaporizar.
Virar fumaça interestelar.
Não diz, porque não precisa.
A frase já fez o que devia: te emocionou.
E aqui entramos num território perigoso — o das meias verdades com estética científica.
A ciência vira cenário. O número vira mantra. A lógica vira aplauso.
É a sedução do dado isolado, da metáfora vestida de fato, da física transformada em conteúdo de autoajuda.
E o pior: sem uma mentira sequer.
É por isso que esse tipo de conteúdo engana melhor que as fake news.
Porque se disfarça de sabedoria, quando na verdade é só marketing emocional.
Porque se parece com verdade, mas exige fé, não compreensão.
E quem compartilha sente-se especial.
Como se tivesse entendido um segredo cósmico.
Como se ser feito de átomos o tornasse, por extensão, um gerador de energia existencial.
No fundo, o que me inquieta não é o exagero científico.
É o quanto estamos dispostos a acreditar no que nos faz sentir bem — mesmo que seja só bonito demais pra ser verdade.
Porque informação sem contexto é só barulho elegante.
E, às vezes, a mentira mais perigosa é aquela que veste jaleco e cita Einstein.
🔍 Para quem quiser se aprofundar:
- National Geographic – How Many Atoms Are in the Human Body?
- Einstein, A. – Relativity: The Special and the General Theory
- Itaipu Binacional – Dados oficiais de geração de energia: https://www.itaipu.gov.br
- Feynman, R. – The Feynman Lectures on Physics (Vol. 1 – Conservação de Energia)