Por Carlito de Souza
Era uma vez um garoto franzino, distraído e com olhos cheios de ausência, que caminhava pelas ruas cinzentas de Munique como quem não pertencia àquele tempo. Nascido em 1879, não se destacava entre os colegas. Dizia-se que era lento, teimoso, com dificuldades de fala, e incapaz de se adaptar à rigidez do sistema escolar alemão. Aos olhos dos mestres, um aluno desinteressante. Aos olhos do pai, um desapontamento. Reprovado. Dispensado. Um fracasso.
A lenda conta que, aos 15 anos, ele abandonou os estudos. Aos 16, tentou o Instituto Politécnico de Zurique, mas falhou. No ano seguinte, passou. Graduou-se sem distinção. Nenhum professor lhe ofereceu carta de recomendação. Ninguém o contratou. Restou-lhe um cargo modesto: escrevente de segunda classe no Escritório de Patentes da Suíça. O gênio ignorado, empilhando invenções alheias em prateleiras burocráticas.
Mas há sempre um homem que enxerga além da mediocridade dos diagnósticos. Um velho professor aposentado, Hermann Minkowski, que outrora o avaliara como insosso, mas agora lhe via uma centelha. “Imaginação geométrica”, murmurava. Era algo raro. Algo precioso.
Foi nesse cenário silencioso e mecanicamente repetitivo que o jovem Albert redigiu, nas horas vagas, um artigo sobre o tempo, o espaço e a luz. As engrenagens do mundo giravam ao redor, e ele, com a caneta e o pensamento, tentava entender o que os olhos não podiam ver. Enviou o manuscrito a um pequeno jornal acadêmico. Publicaram. Era 1905. Nascia ali a Teoria da Relatividade Restrita.
Três anos depois, Minkowski, lépido em seu reconhecimento tardio, teria dito: “Meu ex-aluno é o novo Copérnico”. E o mundo, antes plano em suas certezas, curvou-se diante do universo de Einstein.
Bela narrativa, não? Pena que, como tantas belas narrativas que circulam pelas redes sociais, ela se afasta daquilo que os registros confirmam.
A verdadeira história de Albert Einstein, embora igualmente fascinante, está menos para conto de fadas e mais para um manuscrito realista — desses que ganham profundidade quando relidos com olhos atentos aos documentos.
Einstein nunca foi expulso da escola primária. Ele estudou normalmente até os 15 anos, quando abandonou a escola de forma voluntária por desgosto com o autoritarismo do sistema alemão e para acompanhar os pais que haviam se mudado para a Itália.
Ele não era ruim em matemática. Ao contrário, dominava álgebra e geometria aos 12 anos e, segundo o próprio, já resolvia cálculo diferencial e integral aos 15. Seus boletins confirmam notas altas nas disciplinas exatas. O mito de que reprovava em matemática surgiu da má interpretação de um sistema de notas suíço.
Em 1895, de fato, Einstein tentou o exame de admissão ao Instituto Politécnico de Zurique (hoje ETH Zurich) e foi reprovado na parte de Humanas, como francês e história. Aprovado com louvor em matemática e ciências, voltou no ano seguinte e foi admitido após concluir o ensino médio em Aarau.
Sua passagem pelo ETH foi discreta, não porque faltasse inteligência, mas porque Einstein desprezava formalismos e preferia estudar por conta própria. Ainda assim, formou-se em 1900 com desempenho satisfatório. Seus atritos com o professor Heinrich Weber explicam por que não recebeu recomendações para seguir carreira acadêmica.
Entre 1902 e 1909, trabalhou no Escritório de Patentes em Berna. Lá, redigiu seu famoso artigo sobre a relatividade restrita. O Annalen der Physik, onde o trabalho foi publicado em 1905, não era um jornal obscuro, mas uma das principais publicações científicas da Alemanha.
Quanto a Hermann Minkowski, é verdade que ele foi professor de Einstein e, à época, o considerava um aluno desinteressado. Só reconheceu sua genialidade após ler o artigo de 1905, e ajudou a reformular matematicamente a teoria. Não há registro confirmado de que tenha dito a frase “é o novo Copérnico”, embora o elogio fosse compatível com sua posterior opinião.
A moral do conto, portanto, é verdadeira apenas se aceitarmos que os gênios também têm seus tropeços, e que as histórias de superação precisam menos de fantasia e mais de contexto.
Albert Einstein não foi um fracassado incompreendido. Foi um jovem brilhante, crítico e indisciplinado que encontrou nas margens da academia o espaço para pensar o que os outros ainda não ousavam. Não teve um só salvador, mas muitos desafios. E venceu não porque todos o ignoraram, mas porque ele soube brilhar mesmo quando ninguém prestava atenção.
Autor:
Carlito de Souza – Corretor de imóveis e seguros, fotógrafo por hobby, motociclista por essência, e alguém que escolhe a luz dos fatos em vez da sombra das narrativas.
Referências bibliográficas:
- Isaacson, Walter. Einstein: sua vida, seu universo. Companhia das Letras, 2007.
- Calaprice, Alice. The Ultimate Quotable Einstein. Princeton University Press, 2010.
- Einstein Archives Online (Hebrew University of Jerusalem): https://einsteinpapers.press.princeton.edu/
- ETH Zurich archives: student records
- Highfield, Roger & Carter, Paul. The Private Lives of Albert Einstein. Faber & Faber, 1993.
