Índice
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- 1.1 Uma estratégia calcada em ilusões mercantilistas
- 1.2 Repetindo erros do passado: o paralelo com o crash de 1929
- 1.3 A armadilha da autossuficiência e a ilha de 300 milhões
- 1.4 E a China?
- 1.5 O mundo reage: o avanço da desdolarização
- 1.6 Terras raras e a vulnerabilidade da indústria bélica americana
- 1.7 Traindo aliados: o colapso da diplomacia comercial
- 1.8 Conclusão: o populismo econômico custa caro
Em abril de 2025, Donald Trump anunciou a aplicação de tarifas de até 104% sobre produtos chineses, com o argumento de proteger a indústria americana. A medida é apenas o capítulo mais recente de uma estratégia econômica que, sob o slogan “America First”, se aproxima perigosamente de um isolacionismo desastroso. Mais do que uma guerra comercial, estamos diante de uma ruptura sistêmica com potenciais impactos globais e internos gravíssimos.
Uma estratégia calcada em ilusões mercantilistas
A base do tarifaço parece seguir uma lógica que remete à era do mercantilismo, em que a riqueza nacional era medida pelo acúmulo de superávits comerciais. Segundo Trump, se os EUA compram mais do que vendem, isso é sinal de fraqueza. Mas, como explica o economista José Kobori, os EUA precisam ter déficit comercial para garantir a circulação global do dólar e atrair capital estrangeiro. Esse princípio sustenta o pós-Bretton Woods, em que o dólar é a principal moeda de reserva mundial.
Ao buscar eliminar o déficit comercial à força, Trump corre o risco de causar uma maxi-desvalorização do dólar e corroer a confiança internacional na moeda americana. Isso não é apenas um erro técnico: é um suicídio diplomático e econômico.
Repetindo erros do passado: o paralelo com o crash de 1929
Não é a primeira vez que os EUA flertam com o protecionismo extremo. Após o crash de 1929, o Congresso aprovou o Ato Smoot-Hawley, que aumentou tarifas sobre centenas de produtos. O resultado? Uma cascata de retaliações, colapso do comércio internacional e aprofundamento da Grande Depressão. Economistas do Cato Institute e da Brookings Institution apontam que o tarifaço de 2025 carrega os mesmos sintomas: nacionalismo econômico, miopia política e desprezo pela interdependência global.
A armadilha da autossuficiência e a ilha de 300 milhões
Trump foi eleito com a promessa de “fazer a América grande novamente”. Mas suas ações sugerem que deseja encerrar o pacto global que, por décadas, posicionou os EUA como centro de gravidade econômica. Ao isolar-se de cadeias produtivas globais, o país corre o risco de se tornar uma ilha de 300 milhões de consumidores fora de um mercado de 8 bilhões. O impacto será sentido especialmente pela classe média americana, que pagará mais caro por bens importados e sofrerá com a perda de competitividade das exportações nacionais.
E a China?
Apesar de ser o principal alvo da tarifa, a China não está sem alternativas. Além de seu vasto mercado interno, Pequim está acelerando acordos comerciais com Ásia, África e América Latina. O projeto da Nova Rota da Seda e a ascensão de moedas digitais estatais (como o yuan digital) são estratégias claras de contenção à dependência do dólar.
O mundo reage: o avanço da desdolarização
O tarifaço é um catalisador para o movimento global de desdolarização, especialmente entre os BRICS. Em 2023, o bloco já discutia a criação de uma moeda alternativa ao dólar. Em 2025, com as novas sanções americanas, países asiáticos como a Malásia e a Indonésia também manifestaram intenções de negociar em moedas locais.
A crescente multipolaridade econômica do mundo torna a hegemonia americana cada vez mais dependente de confiança. E é justamente essa confiança que as atitudes erráticas de Trump corroem diariamente.
Terras raras e a vulnerabilidade da indústria bélica americana
Em uma das retaliações mais sensíveis, a China anunciou restrições à exportação de sete elementos de terras raras, essenciais para a indústria de defesa dos EUA. Elementos como samário, disprósio e térbio são usados em mísseis, submarinos e caças como o F-35. Com mais de 90% do refino global sob controle chinês, os EUA enfrentam agora uma ameaça direta à sua capacidade tecnológica militar. Empresas como a Teledyne e a Insitu (Boeing) já foram impactadas por restrições comerciais chinesas.
A dependência de insumos críticos estrangeiros expõe a fragilidade de uma potência que tenta projetar força impondo barreiras onde deveria haver pontes diplomáticas e industriais.
Traindo aliados: o colapso da diplomacia comercial
Os EUA não estão apenas enfrentando adversários. Estão traindo aliados. Europa, Canadá, Japão e Austrália, todos parceiros históricos, também foram alvos de tarifas ou ameaças comerciais. A lógica unilateral destrói a credibilidade americana como negociador confiável. Afinal, quem assinará um acordo com quem não cumpre promessas nem respeita pactos multilaterais?
Conclusão: o populismo econômico custa caro
O tarifaço de Trump é uma manifestação extrema de populismo econômico: uma resposta simplista a problemas complexos. A história já mostrou que o protecionismo, longe de proteger, destrói. E o povo americano, ao aderir a uma ilusão de grandeza, pode acabar menor, mais pobre e mais isolado.
O mundo não parará esperando os EUA. E, ao que tudo indica, está já se reorganizando sem eles.
Por Carlito de Souza
Fontes e referências:
- Wall Street Journal (2025). “U.S.-China Brawl Takes Center Stage in Global Trade War”.
- The Guardian (2025). “Trump raises tariffs to 125% for China”.
- Time Magazine (2025). “How Trump’s tariffs could trigger a global recession”.
- Carnegie Endowment (2023). “The BRICS dedollarization agenda”.
- Cato Institute. “The Smoot-Hawley Tariff and the Great Depression”.
- José Kobori. Canal do YouTube e entrevistas recentes (2024).
- Reuters (2025). “China hits back with rare earth export controls”.
- WSJ (2025). “China retaliates with restrictions on U.S. companies”.
